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Fim, de partida

  • Foto do escritor: João Barros
    João Barros
  • 17 de ago.
  • 2 min de leitura

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Acervo pessoal


O Cambuci é uma memória de vida


No intervalo entre as duas semanas que antecederam minha mudança do Cambuci e as cinco semanas seguintes à partida, bati o carro três vezes. Alguns meses antes, quando decidira-me, afinal, sobre sair do bairro em que mais na vida vivi, discuti com um morador de rua que maltratava um cachorro, sofri ao limite do insuportável ao ver os cães abandonados nas praças do Largo, tive minha casa invadida por ladrões de bicicleta, passei por toda sorte de desventuras com a proprietária da casa em que morei por cinco anos e que me cobrava urgência em reformas para a entrega do imóvel em mensagens infinitas nos dias das festas de fim de ano. O corte, simbólico, se objetivava. O Cambuci me expelia e eu, dele, me desvencilhava com cansaço e amargura.


Não imaginava que fosse sentir nada daquilo e isso me deixou triste. Não que me visse passando a vida nos entornos da Lacerda Franco e da Lins de Vasconcelos. Como na existência, no Cambuci, sempre me senti um observador e não parte constituinte. Ademais, sabia que o desejo por algo além, mais cedo ou mais tarde, me moveria para outras praças em que talvez pudesse, enfim, arvorar. 


Mas Deus, como gostei de ver e ouvir o Cambuci. Como é bom conhecer algo, saber indicar ruas, restaurantes, saber o cheiro das esquinas, os lugares em que ninguém nos vê, ter hábitos, conhecer os chapeiros, as corretoras das imobiliárias, saber a hora de apertar o passo, se embebedar a 10 minutos de casa, fumar na calçada da Juriti, ver pequenos negócios nascendo e se comprazer por sua morte, virar amigo do instrutor de ginástica da academia do bairro, escrever sobre vizinhos desconhecidos, olhar nos olhos da senhora que fuma na janela em frente a minha e me fustiga enquanto fumo e nos compreendemos sem trocar palavra alguma.


Aquilo que se conhece, por vezes, é também aquilo que sufoca, mas, no Cambuci, aprendi a permanecer e pude ir sem ter medo de ir embora por desespero. Agora é possível arvorar. E, na memória do Cambuci, há uma memória de vida.  

 
 

©2023 por Revista Lenta

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