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João Barros

O luto dos pombos, a ida dos pássaros




On the waterfront (1954)


Como é o luto dos pombos, dos místicos, dos mestres que alcançaram o nirvana?


Um pombo machuca a asa ou parece doente e não consegue voar. É triste a iminência da morte dos pombos. Solitários, inermes, prontos para um atropelamento ou um ataque de gato. Na iminência da morte, expandem seu olhar monástico, mas o hermetismo religioso e perspicaz natural dos pombos ganha camadas de medo em um pombo enfermo. E por isso a mim é tão excruciante.


Mas talvez seja confusão minha, talvez o que chamo de medo seja ataraxia estóica, ela própria ou em algum grau. Talvez a serenidade que não alcanço dos pombos e dos mestres espirituais diante da morte seja um passo ou uma manifestação da transcendência.


Só sei que me é triste ver um pombo que não consegue voar e ver o desprezo contemporâneo por pombos. Expulsos de tendas de cachorro-quente, de calçadas, mortos em redes de transmissão. Supostamente, transmitem doenças. Mas quem ou o que não transmite doenças e todas as suas moléstias conjuntas? E quem ou o que não transmite o mistério e todo o seu brilho? Ainda mais os pombos, com seu caminhar profético e olhar inescrutável. Os últimos mensageiros da frase divina, perambulando nas cidades do pós-espírito, tecendo suas odes esquizofrênicas ao sagrado.


Admitir o estoicismo dos pombos é admitir a tolice da minha tristeza, bem sei. Incapaz de ouvir a mensagem, resta a tristeza com a iminência do fim. O fim em si dói menos: ver penas voando da boca de um gato ou uma carcaça esmagada no asfalto é quase reconfortante. É quase como ouvir minha avó dizendo “descansou” em velório de conhecido. “Descansou”, penso diante do pombo morto, diante do fim do corpo e da permanência do mistério.


Já o luto não carrega a leveza do impacto inicial que se tem quando se vê o fim da carne. Não se descansa no luto, anestesiamos-nos. Há a necessidade da carne, do físico, da presença. E há a fantasia dos sonhos, a destruição do ideal, o apagamento contínuo da memória imediata daquilo que estava e que não mais está, o ressurgimento contínuo, o fluxo de tons dentro da percepção de finitude, a marca eterna na memória enquanto memória, e eterna em si no tempo e no ser. O luto é noturno e permanente como o mistério.


Mas se o luto é permanente como o mistério, me pergunto como é o luto dos pombos, dos místicos, dos mestres que alcançaram o nirvana. Como opera o luto que luto não é?


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Certa feita um pássaro urbano que não sei nomear foi a garagem de minha casa para morrer. Ou assim pensei. Tinha o mesmo olhar assustado ou estóico dos pombos diante da iminência da morte. Minha ignorância agnóstica só o medo percebia. Talvez fossem parentes espirituais, os pombos e aquele pássaro urbano. Os mesmos passos mínimos de uma dança fúnebre. Deixei uma caixa de sapatos ao seu lado, com biscoitos cream cracker que esmaguei com as mãos.


Pela manhã, o pássaro inominável não estava mais lá. E não havia rastro de morte. Também não parecia ter mexido nos biscoitos – mas não contei as migalhas uma a uma. Acaso tivera só uma indisposição? Acaso estava fortalecendo seu espírito para uma longa viagem ou decidindo-se sobre uma partida sem volta?


Me pego pensando no pássaro que, quem sabe, refletia sobre sua ida irretornável, sobre seu abandono, sobre sua transição para o desprendimento.


Me pego pensando no pássaro sem nome que, quiçá, não tenha morrido e quiçá renascera pela água e pelo sal.


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