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João Barros

A mídia em questão: notas sobre o seriado The Newsroom


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Divulgação


Uma análise sobre a premiada série que, uma década antes da excepcional Succession, trouxe algo do discreto charme e das disputas indústria midiática


Estados Unidos, a nação odiada de Ronald McDonald e um lugar onde os paradoxos convivem de um modo curioso e estarrecedor. O mesmo país que formou Ralph Waldo Emerson e Thoreau – que com seu Walden influenciou movimentos de resistência não-violenta ao redor do mundo – é também o último bastião de um imperialismo intervencionista que se debate em torno da decadência pós-capitalista e das crises sociais, econômicas e bélicas que mesmo cria ou patrocina e para as quais o mundo segue exposto (seus próprios cidadãos inclusos).


Os reflexos de um passado americano recente cheio desses contornos contraditórios estão entre os motes The Newsroom. A série começou a ser desenvolvida por Aaron Sorkin (criador e roteirista principal da série) em 2009, teve seu piloto exibido pela HBO no começo de 2011 e sua primeira temporada foi veiculada no mesmo canal a partir de junho de 2012. O episódio de estreia carrega uma sequência impressionante em que Will McAvoy (âncora do fictício jornal televisivo noturno News Night interpretado por Jeff Daniels), esbraveja contra o falso debate cada vez mais baseado em superficialismos dos partidos republicano e democrata.


Will McAvoy é uma espécie de jornalista que desistiu do jornalismo ao se adaptar à rotina de uma grande imprensa pouco factual, pouco crítica e pouco relevante. Mas McAvoy, em menor parte motivado por lembranças vagas de suas influências – ícones do jornalismo como Walter Cronkite¹ e Edward R. Murrow² – e em grande medida pela nova produtora do News Night, MacKenzie McHale (Emily Mortimer), aos poucos, se cura da apatia. Com uma história pregressa junto a McAvoy, McHale é uma intelectual progressista que compõe o arquétipo do jornalista destemido, da grande repórter que está disposta a correr riscos quaisquer por uma pauta importante.


McHale imprime uma saga de transformação no jornal e McAvoy abraça essa causa. Ele se propõe a não distorcer fatos, não esconder sua opinião e não deixar de ouvir opiniões contrárias às suas. Internamente o News Night começa a ser chamado de News Night 2.0.


Republicano registrado, McAvoy passa boa parte da série criticando os extremismos do partido – em especial do bloco Tea Party. A tese do âncora é a de que o partido perdeu o rumo e enfraqueceu seus próprios valores ao buscar os votos de uma minoria de fanáticos.


Nesse ponto, a cartada da isenção de Sorkin não convence, uma vez que a tendência de radicalização do partido republicano já é debatida na política americana por autores como Norman Mailer e Susan Sontag desde, pelo menos, o final da década de 60 e passa longe de ser fruto de minorias extremistas. Hoje, a ideia soa ainda mais ingênua e complacente diante de questões como a invasão do Capitólio e os anos Trump.


Descontados os excessos caricatos, a perda de fôlego na última temporada e algum cansaço do tempo, os produtores da série merecem crédito por terem reunido um elenco de primeira, pelo ótimo texto presente em muitos momentos de Newsroom e por darem a Jeff Daniels um papel digno de seu talento.


Em especial na sua primeira temporada, a série é instigante, sobretudo, para os entusiastas de uma tradição do fazer jornalístico, pois apresenta com um cuidado entusiasmado e idílico os bastidores de uma redação; as alegrias, desilusões e fracassos de uma cobertura jornalística; os egos e medos de profissionais respeitados em seu meio.


Em seus melhores momentos, The Newsroom alcança beleza ao tratar de profissionais que, entre trancos, barrancos e passos em falso, perseguem um ideal idílico de integridade enquanto tentam não sucumbir.



¹Walter Cronkite foi um âncora que cobriu, dentre outros fatos, a Segunda Guerra Mundial e a morte de John F. Kennedy


²Edward Murrow foi jornalista da CBS e desempenhou papel crucial na queda do prestígio de Joseph McCarthy, político americano que perseguiu cidadãos, acusando-os de “perigosos ao convívio social”, dentro do contexto da Guerra Fria

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